BASTIDORES
Como o tema surgiu
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Em 2017, Drauzio Varella lançou o livro Prisioneiras, onde relata sua experiência de mais de anos de trabalho voluntário em uma penitenciária feminina. Eu já havia estudado sobre o tema em um curso da Abraji/Oboré sobre Direito de Defesa, então comprei uma versão autografada na Livraria Cultura do Conjunto Nacional. Esse foi o primeiro de quatro livros do autor que li em seguida, um deles o Estação Carandiru.
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Desde então passei a acompanhar o caso em busca de uma oportunidade para tocar no assunto, fosse na faculdade ou estágio. Mas nada acontecia desde que o Tribunal de Justiça havia anulado os júris e a promotoria recorrido ao STJ. Até que, no primeiro semestre deste ano (e sétimo da minha graduação), cheguei ao jornal laboratório Babel e, em abril, o ministro Joel Ilan Paciornik decidiu a favor do Ministério Público. Era uma boa oportunidade de, finalmente, poder transformar o meu interesse em algum produto jornalístico.
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O tema da revista Babel foi decidido coletivamente pela turma como Extremos, e o que pode ser mais extremo que o maior massacre de detentos da América Latina? Convidei a minha colega e amiga Luisa Queiroz, para falarmos do Carandiru, só faltava pensar em um recorte novo.
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Descrever o caso ou falar com sobreviventes é algo que a mídia faz com alguma frequência. O caso Carandiru completará 26 anos em outubro e ninguém foi preso. Ao buscar saber os motivos, cheguei a um ponto interessante e pouco discutido: a atuação da promotoria. Se durante todo esse tempo o caso ainda está vivo e tramitando é graças a diversos promotores que aceitaram assumir a responsabilidade e tocar um processo enorme (como eles contam, 20 mil páginas em cem volumes de material).
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Para a Babel, que tinha um tamanho limitado para reportagens de cerca de 10 páginas, escolhemos falar com os dois atuais titulares do caso, os promotores Márcio Friggi e Eduardo Olavo Canto. A proposta era contar quem são eles, quais as suas trajetórias, quando receberam o caso, como foi lidar com algo tão grande e emblemático. Enfim, narrar os bastidores da acusação e dar nome e rostos a quem tanto tempo depois ainda busca fazer justiça aos 111 presos mortos.
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Da revista ao site
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Em conversa com os promotores, porém, a história se tornou muito maior. Contaram que o caso foi desmembrado em duas partes inicialmente - Coronel Ubiratan e policiais - com seus trâmites particulares e independentes. Que entre as duas há quase uma década de distância e só para julgar os policiais foram cinco júris diferentes. E que, durante esse tempo, atuaram, diretamente no júri e coordenando a acusação, quatro promotores, além dos dois: Norberto Joia, Felipe Locke Cavalcanti, Fernando Pereira e Daniel Tosta. Fora Luiz Roque Lombardo, da Justiça Militar, que foi o responsável por elaborar o primeiro documento de todos, com a acusação original, as perícias e os detalhes de tudo que aconteceu dentro da Penitenciária da Capital no dia dois de outubro de 1992.
Decidi buscar cada um deles, ouvir seus relatos e transformar o texto da Babel em um site, contando também como foi o caso, como tramitou nas instâncias da justiça, onde está hoje e, claro, quem são as pessoas responsáveis por tudo isso.
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Chegar aos promotores desde o início exigiu buscas em assessorias, site da OAB, na Associação Paulista do Ministério Público. Como eu já tinha conhecimento da história, conseguir contatar os promotores era o primeiro maior desafio, mas depois do primeiro contato, por telefone, email ou whatsapp, todos se mostraram solícitos para marcar entrevistas. Apenas Luiz Roque Lombardo e Daniel Tosta, hoje alocado em Ribeirão Preto, preferiram não conversar por não lembrarem bem do caso e acharem que os demais colegas dariam conta do recado. Depois de alguma insistência, aceitei.
De Guarulhos à Barra Funda, ao Fórum de Santana e à Bela Vista, encontrei cada um deles em seus escritórios, conversamos (algumas entrevistas gravadas, outras anotadas no papel) e pude traçar o perfil e a contribuição de cada um deles com as perguntas abaixo colocadas, bastante atenção aos detalhes nos ambientes e gestos, e pesquisas.
Perguntas básicas
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O senhor se lembra quando o caso chegou às suas mãos? (o dia, o momento) Como foi que entrou nisso? Já havia ouvido falar pelas mídias?
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Como tem sido esse processo, com a decisão do Tribunal de Justiça por novos julgamentos e posterior mudança? Tem algum diferencial dos outros casos para o senhor?
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Se possível, o senhor pode explicar a visão da promotoria sobre o caso? Como aconteceu?
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Como foi elaborar a estratégia da acusação, quais foram os desafios?
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Que obras sobre o caso o senhor recomenda?
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O trabalho no caso teve algum impacto na sua vida pessoal e suas relações com a profissão?
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Como o senhor vê a decisão do Supremo Tribunal de Justiça em determinar que o Tribunal de Justiça de São Paulo analise os pontos levantados pela promotoria com relação à decisão dos desembargadores os julgamentos de 2013/14? É uma vitória ou não chega a tanto? Por quê? (algumas entrevistas ocorreram antes de o TJSP reafirmar sua decisão inicial frente ao STJ)
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O TJ alegou que “não foram feitos, por exemplo, “óbvios” exames de balística para verificar de qual arma partiu cada bala. Além disso, um dos réus foi condenado por 73 mortes mesmo tendo confessado um único disparo, enquanto outro foi responsabilizado por 13 mortes depois de ter assumido cinco tiros. Já outros três foram absolvidos, a pedido do Ministério Público, mesmo tendo confessado ter efetuado disparos." Qual a sua avaliação sobre isso?
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O senhor acha que a atuação da promotoria no caso é suficiente pra chegar na justiça do caso concreto?
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Qual o próximo passo?
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E qual será a estratégia da promotoria? O que os senhores esperam conseguir?
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Existe chance de que algum dos policiais cheguem a cumprir pena?
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Análise
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Durante conversas com os promotores, vários ressaltaram o ineditismo que foi a acusação coletiva em um caso desse tamanho, além de destacarem que algumas das movimentações nem sequer tinham lastro na justiça da época. Essas informações abriram margem para o projeto abranger uma análise do ineditismo jurídico do processo. Até que ponto a tramitação realmente foi um marco para o direito brasileiro? Quais novidades houve no caso?
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O nome escolhido para discutir essas questões foi Maira Machado, professora de direito da Fundação Getúlio Vargas que se dedicou, ao lado de Marta Machado, a criar o portal Memória Massacre Carandiru, que mantém viva a lembrança do caso através do compilado de diversos documentos do caso, uma fonte inédita de informações que, apesar de serem públicas, não são de fácil acesso.
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Para a conversa com a especialista, o artigo de Álvaro Pires (“Racionalidade penal moderna”) foi a leitura base para a análise do que significou o caso e de aspectos jurídicos como o tribunal do júri, a forma como a mentalidade social influencia o julgamento e participação das ONGs de direitos humanos.
Também contribuiu Aurora Selles, jornalista que investigou e transformou seu TCC, no início dos anos 2000, em um livro reportagem. Aurora teve a coragem e a audácia (no melhor sentido) de conversar com o Coronel Ubiratan, policiais e famílias das vítimas, o que resultou em um rico trabalho nunca publicado abertamente.
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A pesquisa
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A pesquisa para o projeto começou antes mesmo de ele ser concebido, na leitura do livro Estação Carandiru e ao assistir o filme de Hector Babenco (Carandiru, outras histórias). Fora isso, a maior fonte de informação foram os promotores, que relataram fatos e detalhes impossíveis de se ter acesso de outra maneira. Como saber, por exemplo, que para um a data do massacre caiu no dia do aniversário de casamento? Ou que outro passou o aniversário em pleno júri? Essas curiosidades tiveram papel de moldar, para o leitor, a figura das pessoas que são o foco do projeto.
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Além disso, recorri a documentos cedidos pelos promotores e outros encontrados na plataforma Memória Massacre Carandiru. Matérias online também foram fundamentais para compreender as diferentes etapas do processo, datas e detalhes. Essa parte em especial foi facilitada pela busca filtrada do Google por datas, porque houve sete julgamentos que podem ser bastante confusos se lidos fora de contexto. Algumas acusações também começaram com um número maior de réus e vítimas, o que a promotoria foi ajustando de acordo com as circunstâncias (policiais que morreram, vítimas mortas com arma branca e não de fogo, etc).
Por fim, o livro Rota 66 que provavelmente é o mais citado por todos os promotores para entender o contexto da época e a estratégia da acusação (todos usaram a obra de Caco Barcellos).
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Abaixo, alguns links de notícias que serviram de base para a pesquisa e que considero fundamentais para entender o caso:
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O CASO
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UBIRATAN
https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3006200101.htm
SEGUNDO PAVILHÃO
TERCEIRO PAVILHÃO
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/08/130803_carandiru_sentenca_final_gm
https://oglobo.globo.com/brasil/carandiru-juri-condena-25-policiais-624-anos-de-prisao-9332287
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QUARTO PAVILHÃO
https://veja.abril.com.br/brasil/carandiru-juri-e-dissolvido-apos-saida-de-advogado/
http://g1.globo.com/sao-paulo/julgamento-carandiru-2014/cobertura/
QUINTO PAVILHÃO
https://oglobo.globo.com/brasil/juri-condena-reus-do-carandiru-ate-104-anos-de-reclusao-11924264
LETANG
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O site
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A elaboração do site foi outra etapa do projeto. Decidi fazer por conta própria para poder pensar de que maneira a plataforma daria sentido ao conteúdo produzido, como os textos seriam organizados e de que modo tornar uma tradicional grande reportagem em algo interativo e interessante para o leitor.
Pensar em site é diferente porque os elementos precisam ser independentes. Não se pode partir do pressuposto de que o leitor irá ler tudo que está disponível e na ordem em que aparece. Por conta disso, elaborei textos independentes uns dos outros. A contrapartida dessa escolha é ter matérias relativamente repetitivas. Promotores que trabalharam juntos em etapas da acusação, por exemplo, falam de trâmites comuns, apesar da pessoalidade do relato ser diferente, portanto há informações que aparecem e reaparecem. Um mal necessário.
Além disso, decidi fazer os textos dos promotores como uma espécie de espaço de memória. No sentido de que, se um deles lembrasse de detalhes que outro esqueceu, ou mesmo se quando houve trechos que a mídia relatou mas nenhum citou, optei por não acrescentar, para não tornar os textos a minha concepção do que aconteceu, mas uma narrativa de quem esteve a frente do processo, com os pontos que essa pessoa achou relevantes, que guardou apesar dos anos.
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A talvez única “leitura obrigatória” seja a descrição do caso, que abre o projeto e resume o que está no documento da primeira acusação, ainda na Justiça Militar, de 1992. Para passar adiante e ler os promotores, espera-se que o leitor tenha lido, ou já saiba, sobre a história do massacre e sua divisão dentro da justiça brasileira.
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A experiência de montar o site foi interessante e menos complicada que o esperado. A plataforma Wix, em que decidi trabalhar, dispõe de muitos recursos fáceis de usar e é bastante intuitiva. Poucas coisas fizeram falta nesse momento de criação, como a possibilidade de colocar um plano de fundo em vídeo com som na parte das Obras Recomendadas, que acabou ficando muda.