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  PROMOTORES  

Eduardo Anizelli / Folhapress

SOBRE O MINISTÉRIO PÚBLICO

No Brasil, o Ministério Público é a instituição responsável pela defesa do regime democrático e da ordem jurídica (artigo 127 da Constituição Federal). Em última instância, quem define o arquivamento e a denúncia das ações penais é o MP. É através do trabalho desses profissionais que o pleno funcionamento das leis e dos direitos é assegurado.

Cabe a eles, após decidir iniciar uma Ação Penal Pública, optar entre pedir a absolvição do réu ou sua condenação.

O caso Carandiru começou na Justiça Militar do Estado de São Paulo e a primeira denúncia foi feita pelo promotor Luiz Roque Lombardo - ele definiu que os policiais seriam responsáveis pelas mortes ocorridas nos pavilhões em que atuaram (uma acusação coletiva sem precedentes). Em seguida, o processo foi para a Justiça Comum, onde envolveu mais seis promotores em júri: no início dos anos 2000, atuaram Felipe Locke Cavalcanti e Norberto Joia na acusação do Coronel Ubiratan e, em 2013 e 2014, Fernando Pereira, Márcio Friggi, Eduardo Canto e Daniel Tosta estiveram à frente da acusação de 74 policiais militares. Todos esses profissionais pararam meses de suas vidas para analisar um processo de mais de vinte mil páginas, com números recordes de vítimas e réus. Além deles, diversos outros profissionais do MP fizeram a adequação dos trâmites de uma Justiça para outra.

Foram eles que conseguiram, em cada um dos julgamentos, alcançar condenações consideradas muito difíceis e também são eles que, em parceria com os promotores de segunda instância, tentam, até hoje - vinte e seis anos desde o massacre -, fazer com que os responsáveis pelas mortes cumpram suas penas. 

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Eduardo Olavo Canto

Atualizado: 3 de dez. de 2018


Atual responsável pelo caso, que tramita no STF, o promotor atuou na condenação dos policiais em 2013

(Reprodução / Alex Falcão / Folhapress)

O promotor Eduardo Olavo Canto Neto foi delegado de polícia no Rio de Janeiro e passou pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo antes de chegar à promotoria em Guarulhos. Convidado pelo também promotor Fernando Pereira da Silva, assumiu três júris do caso Carandiru em 2013, aos 36 anos, e é titular do caso até hoje.


Quando o massacre aconteceu, Canto tinha quinze anos e guarda poucas lembranças do dia dois de outubro de 1992, fora algumas notícias na rádio. Vinte e um anos depois, parou sua vida durante dois meses para estudar os acontecimentos que lhe escaparam quando adolescente.


O processo todo do caso Carandiru tem cerca de vinte mil páginas em cem volumes de documentos diversos - muitos deles unicamente em papel, herança do período em que a internet brasileira ainda era incipiente. Após a convocação, afastou-se das funções de Guarulhos e transformou o apartamento “em um cartório”. Assim como os colegas que assumiram a acusação em diferentes períodos, planejar a atuação no tribunal do júri se tornou tarefa de domingo a domingo para Canto. Mas a mudança não durou muito, explica: “eu precisava socializar, precisava ver pessoas”.


O processo originalmente estava na Justiça Militar, nas mãos do promotor Luiz Roque Lombardo, passou para a Justiça Comum e foi desmembrado em dois: o coronel Ubiratan e os demais policiais, acusados coletivamente. A primeira parte ocorreu no início dos anos 2000 sob responsabilidade dos promotores Norberto Joia e Felipe Locke Cavalcanti. A segunda passou mais de uma década sem ter prazo para acontecer até que, às vésperas do massacre completar vinte anos e com a imprensa em busca de entrevistas e informações, os julgamentos foram marcados. Seriam quatro: o dos policiais militares, dos PMs e agentes da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) juntos, dos agentes do COE (Comandos e Operações Especiais) e o último dos agentes do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais).


O convite a Canto foi feito por Fernando Pereira após seu companheiro de caso, Márcio Friggi, precisar se afastar por conta de um mestrado em andamento. Canto entrou no segundo julgamento e está até hoje à frente do caso ao lado de Márcio, que voltou para os dois últimos.


Citando a obra Rota 66, do jornalista Caco Barcellos, Canto Neto explica que na década de 1990, um dos períodos em que a polícia mais matou, não havia transparência nem acesso à informação - somente depois do massacre foi criada a Secretaria de Administração Penitenciária. Embora em 2013 a situação fosse bastante melhor, a mentalidade social de que crimes contra bandidos são um favor à sociedade tornava o caso, para muitos, uma causa perdida. O próprio Ministério Público, ele recorda, alertava-o para fazer o melhor trabalho possível “sem, no entanto, ter grandes esperanças”.


Nos julgamentos, o banco dos réus não era composto por assassinos com semblante cruel como se imagina nos filmes, mas por idosos. Além disso, atuar para condenar policiais nas circunstâncias do caso era para muitas pessoas, algumas próximas dos promotores, um absurdo.


“Ao contrário do que alguns devem pensar, não me alegra em nada condenar policiais. Já fui delegado por quatro anos. Era difícil na época do julgamento porque faziam parecer que nós estávamos acusando a Polícia como um todo, que estávamos indo contra a instituição”.

Um dos trunfos do promotor foi investigar o histórico de cada um dos policiais - estratégia amplamente utilizada pela defesa contra os prisioneiros mortos - o que rendeu boas provas para a sustentação. Em um dos casos, os promotores utilizaram uma reportagem do Fantástico que denunciava a tortura que um menino sofreu. No vídeo, ele aparecia embaixo de um viaduto levando choque com cabos elétricos. Um dos torturadores era um policial réu no massacre. “Se fosse naquela época [década de 1990], duvido que algum deles tivesse sido condenado. E eu estudei os antecedentes daqueles policiais. Em geral, eles tinham uma média de cinco e seis mortes na ficha, mas havia [PM] ali que já tinha matado 40 vezes”.


Em outro momento, enquanto folheava a infinidade de documentos produzidos ao longo de vinte anos de caso, Canto encontrou uma foto de um policial, réu do júri em que iria atuar, tirada no dia do Massacre. Até então, uma das provas a favor da defesa era um colete anti-balas cheio de marcas de tiros, usado para sustentar a tese de que os presos haviam reagido à ação policial. O tal colete pertencia ao policial da foto, que já havia afirmado anteriormente que, em momento nenhum, o tirou do corpo no dia do massacre. Na foto, no entanto, ele aparece sem a proteção. “Eu comecei a interrogá-lo perguntando se ele havia tirado aquele colete no dia. Perguntei duas vezes, e ele jurou que não tinha ficado sem a peça, em momento nenhum. Quando eu mostrei a foto dele usando só o uniforme para o júri, ele ficou branco”.


Apesar da ampla cobertura midiática, que exigia a celeridade e justiça para o caso, algumas situações tornaram o caso mais difícil. No dia da escolha do júri do primeiro julgamento, o deputado estadual major Olímpio compareceu ao Fórum Criminal da Barra Funda com megafone bradando "Ei, você, que pode ser jurado, absolva já!", rodeado de cartazes de apoio aos réus (com frases como “contra o massacre dos PMs") e um boneco fardado deitado no chão, com tinta vermelha e uma cruz. Também estavam os familiares dos PMs acusados, abordando as pessoas e pedindo a absolvição.


O advogado de defesa dos policiais no quarto julgamento Celso Vendramini chegou até a deixar o tribunal no meio de um dos julgamentos, em fevereiro de 2014, por se considerar injustiçado pelo juiz, adiando a decisão e forçando a escolha de outra turma para o júri. Em outra ocasião, uma das advogadas de defesa levou PMs que haviam sido feridos em ações policiais para assistir e comover o júri.


“A hora da decisão parecia cena de filme. Eles iam tirando os votos e lendo em voz alta: ‘não, não, não’”. Os ‘nãos’, no caso, referem-se aos votos de sete jurados que julgavam 15 policiais militares do COE acusados de envolvimento no massacre. Ao final do julgamento, cada um dos sete precisava responder a uma série de perguntas que, basicamente, decidiria pela condenação ou absolvição dos policiais. Uma vitória do “não” significaria que os réus eram considerados inocentes, vitória da defesa dos PMs. “De repente, veio um ‘sim’. E depois outro, e depois mais dois. O resultado final foi 4 a 3 para a promotoria. Nós viramos um jogo que estava 3 a 0”, relembra.


Diferentemente dos demais promotores, que afirmam ter confiança no tribunal do júri e que acreditam que antigamente a mentalidade social era menos progressista, Canto é crítico a esse modelo de julgamento que coloca pessoas leigas para decidir justamente nos crimes mais graves. Ele acredita que novos júris para o caso Carandiru, eventualmente marcados para os próximos anos, podem ser um problema. A estranha possibilidade é, na verdade, uma ordem do Tribunal de Justiça de São Paulo que em segunda instância anulou as decisões dos jurados, prolongando ainda mais os vinte e seis anos sem respostas efetivas. Em contrapartida, o Ministério Público conta com o Supremo Tribunal de Justiça para a manutenção das condenações.


E é para isso que Canto torce, já que ele acredita que hoje em dia a noção de "bandido bom é bandido morto" está fortalecida, o que poderia tornar os já complicados julgamentos de 2013 ainda mais complexos e influenciar novos jurados a decidirem pela absolvição de todos os policiais que causaram o massacre. "São tempos difíceis".




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